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Conexão entre autismo e a testosterona

Asher Mullard

Reino Unido

As crianças expostas a níveis elevados de testosterona durante a gestação apresentam resultados semelhantes aos de pacientes de autismo, em testes psicológicos. A descoberta oferece sustentação a uma teoria contenciosa sobre a origem da doença, afirmam pesquisadores.

Mas embora a mídia esteja antecipando a possibilidade de testes pré-natais de autismo, os pesquisadores dessa disciplina recomendam cautela, tanto quanto à importância da descoberta quanto com relação à adoção dos exames.

O número de vítimas masculinas de autismo é quatro vezes superior ao de vítimas femininas, e a relação é de nove para um quando se trata de Síndrome de Asperger.

Simon Baron-Cohen, psicólogo do desenvolvimento no Centro de Pesquisa do Autismo na Universidade de Cambridge, Inglaterra, acredita que isso aconteça porque traços associados ao autismo ¿tais como a dificuldade de sentir o que outras pessoas sentem e uma capacidade reforçada de analisar, explorar e extrair as regras subjacentes a sistemas complexos- são manifestações extremas do comportamento masculino normal.

Baron-Cohen e seus colegas reportaram em trabalho publicado pelo British Journal of Psychology que crianças expostas a altas concentrações de testosterona quando fetos têm maior probabilidade de apresentar traços autistas.

E já que altas concentrações de testosterona pré-natais foram associadas a alguns aspectos da capacidade cognitiva masculina, eles alegam que suas descobertas oferecem sustentação à teoria do autismo como “forma extrema do cérebro masculino”.

Mas dois comentários publicados na mesma edição da revista demonstram que nem todos os observadores concordam quanto ao valor do estudo ou mesmo com a validade geral da teoria.

A hora do teste
Por mais de uma década, a equipe de Baron-Cohen estudou a correlação entre concentrações de testosterona – medidas em mulheres grávidas que tiveram o fluido amniótico que cerca seus fetos testado para fins médicos- e desenvolvimento, em 235 crianças que não sofrem de autismo.

Os pesquisadores já haviam descoberto que as crianças que foram expostas a concentração elevadas de testosterona fetal exibiam algumas características de adultos com distúrbios autísticos, tais como evitar olhares diretos, desenvolver menos áreas de interesse e estabelecer relacionamentos de mais baixa qualidade.

Agora que as crianças estão em média com nove anos de idade, Baron-Cohen e seus colegas usaram dois questionários para considerar aspectos mais sutis do autismo.

Os questionários perguntavam às mães sobre fatores como a atenção das crianças a detalhes (que é usualmente elevada em pessoas com problemas de autismo) e sua capacidade de perceber o que outras pessoas estão pensando (usualmente baixa nos autistas).

Uma vez mais, eles constataram que, quanto maior a presença de testosterona no ventre, mais parecidos os resultados se tornavam com os de pessoas que sofrem de distúrbios autísticos.

Um cérebro especial?
A psicóloga Kate Plaisted Grant, também da Universidade de Cambridge, considera o estudo “intrigante”, mas diz que “ele não estabelece vínculo entre testosterona fetal e o perfil cognitivo do autismo”.

Ela diz, por exemplo, que o trabalho não mostra correlação entre a testosterona e a capacidade visual e espacial, uma área na qual os pacientes de autismo em geral são muito capacitados.

Ela tampouco está convencida de que as descobertas sustentem a teoria subjacente. “A comunidade científica mais ampla não aceitou a idéia da forma extrema do cérebro masculino¿, ela diz. A testosterona fetal ¿pode criar um cérebro especial, mas não necessariamente cria um cérebro masculino”.

O psiquiatra Laurent Mottron, da Universidade de Montreal, no Canadá, autor de um dos comentários, expressa outras preocupações. Ele enfatiza, especialmente, que porque homens e pessoas portadores de distúrbios autísticos têm resultados semelhantes em questionários sobre o autismo, isso não significa que os traços masculinos são traços de autismo. Em lugar disso afirma, o fato demonstra apenas que o teste não é capaz de distinguir entre masculinidade e autismo.

“Para mim, a idéia equivale a dizer que duas coisas que têm o mesmo peso devem ser feitas do mesmo material”, ele explica.

Interpretação equivocada da mídia
Todo mundo concorda quanto a uma coisa, porém ¿que a mídia britânica interpretou os dados de maneira incorreta e exagerada.

O jornal Guardian se concentra na questão dos testes pré-natais. O estudo não envolve essa questão e não foi motivado pela tentativa de desenvolver um teste. “O motivo do estudo era tentar compreender possíveis fatores causais do autismo”, diz Baron-Cohen.

E mesmo que seja identificado um marcador biológico do autismo, muita gente sente que a questão dos testes é mais moral que científica.

“Os indivíduos autistas são indivíduos notáveis, com talentos fantásticos que beneficiaram muito nossa sociedade”, diz Plaisted Grant. “Considero repulsiva a idéia de que haja um teste genético que poderia fazer com que pessoas como essas não chegassem ao mundo”.

Tradução: Paulo Migliacci

Fonte:
Portal Terra

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