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Falta formação especializada para professores

A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular requer uma revisão conceitual da estrutura curricular dos cursos de formação de professores. Este trabalho discute os fundamentos, a política, as possibilidades e os limites da proposta de formação de educadores para o ensino regular e o especial. Trata-se de um estudo na perspectiva sociocultural, com suporte reflexivo de grupos focais, para formação continuada de professores no contexto escolar. As pesquisas sobre a inclusão escolar enfatizam a necessidade de reflexão sobre: as concepções, crenças e atitudes diante da diversidade, diferença e multiculturalidade; a qualidade das ofertas educativas e da gestão escolar; e a necessidade de rever os programas de formação inicial e continuada de professores. O debate acerca da formação de professores para atuação no sistema regular e na Educação Especial tem gerado polêmica, contradições e omissões. Torna-se imprescindível focalizar este tema na revisão dos cursos de Pedagogia e nas demais licenciaturas, para que não fique restrito ao campo da especialização, como sugere a Resolução CNE/CP nº 01/2006. As discussões e análises preliminares deste estudo anunciam a exigência de uma articulação dialógica e ações transdisciplinares entre professores da Educação Especial e do ensino regular, gestores, coordenadores pedagógicos, pais e comunidade escolar tendo em vista a (re)elaboração do projeto e a construção de práticas pedagógicas que assegurem o direito à diversidade, o acesso ao conhecimento e a inclusão de todos os educandos.

Introdução

Historicamente, a formação de educadores para o atendimento educacional especializado esteve ligada aos cursos de formação do magistério em nível secundário. A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB/71, surgem habilitações em nível superior, nas diferentes áreas da Educação Especial. Essa oferta de cursos sempre esteve concentrada na região sudeste do país e o currículo focalizava os procedimentos especiais de ensino e a prática pedagógica geralmente realizada em Escolas Especiais.

A década de 80 foi marcada pelos movimentos sociais de reivindicação e luta pela democratização do ensino, acesso à escola gratuita e inserção das minorias marginalizadas e excluídas do sistema educacional. Nessa expansão, de um lado criam-se serviços especializados em escolas públicas e, de outro, aumenta-se a implantação de Instituições e Escolas Especializadas em todos os Estados. O foco das políticas públicas deixa então de ser a formação acadêmica ou licenciatura e passa a enfatizar a capacitação em serviços de professores para atender à demanda de expansão da Educação Especial.

Essa ampliação da rede paralela de programas assistenciais de atendimento educacional especializado em Escolas Especiais segregadas concorreu para que o poder público se desobrigasse: de discutir a questão, investir na criação de cursos em nível superior e prover ações de política pública para a formação de professores no sistema das redes públicas estaduais e municipais. Transfere-se, dessa forma, a responsabilidade pela educação de pessoas com deficiências às instituições especializadas, de caráter filantrópico e segregado, que passaram a ocupar e cumprir, naquele momento histórico, o papel do Estado quanto à oferta de educação gratuita às pessoas com deficiência.

Em decorrência da ausência de política de formação de professores para o atendimento educacional especializado, observa-se que a oferta desse serviço na rede pública tem diminuído consideravelmente a partir do final da década de 90. Algumas universidades extinguiram cursos de habilitações específicas. Na falta de professores especializados, os serviços públicos e as escolas especiais para deficientes mentais e instituições especializadas na área da deficiência visual, auditiva, física e outras tiveram que recorrer a cursos de extensão ou treinamento em serviço. Assim, abre-se uma lacuna no ensino superior e torna-se evidente a exigência de reformas educativas, de projetos de cursos de Pedagogia tendo em vista a formação de professores para o atendimento educacional especializado e para a inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular.

A Política de Formação de Professores e o Movimento da Inclusão

A discussão sobre a formação de educadores para a educação de todos, para a inclusão e escolarização adequada de pessoas com dificuldades de aprendizagem surgiu a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos em Jomtien, Tailândia em 1990.

Nessa tendência de direitos sociais, a Declaração de Salamanca (1994) recomendava que a formação inicial deveria incutir em todos os professores uma orientação positiva sobre a deficiência, de forma que permitisse entender o que as escolas poderiam conseguir avançar com a ajuda dos serviços locais de apoio.

Foram colocadas em discussão as habilidades e competências que os educadores deveriam dominar para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. Esse documento enfatiza os conhecimentos e aptidões requeridos em uma boa pedagogia, tais como: a capacidade de avaliar as necessidades especiais, de adaptar os conteúdos dos programas de estudo, de recorrer à ajuda da tecnologia, de individualizar os procedimentos pedagógicos e trabalhar em conjunto com especialistas e pais. Torna-se importante refletir que o texto aborda as novas competências do professor do ensino regular. Entretanto, deixa explícita a formação de educadores para o atendimento especializado – a Educação Especial – a cargo das propostas de curso de especialização. Esse documento defende a figura do professor especialista e a criação de serviços de apoio.

Observam-se, nessa proposta, duas questões básicas que dizem respeito ao contexto educacional europeu, onde esses conceitos foram elaborados: primeiro, a existência de ampla formação em Educação Especial nos países da Europa; segundo, os professores do ensino regular possuem formação pedagógica e tecnológica consistentes. Precisam conviver, discutir e construir práticas e saberes para a inclusão de alunos que estavam anteriormente integrados em classes especiais ou em salas de recursos nas escolas públicas.

Seguindo essa tendência, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996, Art.59) refere-se a dois perfis de professores que deverão ser formados para atuar com alunos com necessidades educacionais especiais:

a) Professor de classe comum capacitado – comprove em sua formação conteúdos ou disciplinas sobre Educação Especial e desenvolvidas competências para:

I – perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos;
II – flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas do conhecimento;
III – avaliar continuamente a eficácia do processo educativo;
IV – atuar em equipe e em conjunto com o professor especializado.

b) Professor especializado em Educação Especial – Formação em cursos de licenciatura em Educação Especial ou complementação de estudos ou pós-graduação para:

– Identificar as necessidades educacionais especiais;
– Definir e implementar respostas educativas;
– Apoiar o professor da classe comum;
– Atuar no processo de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos;
– Desenvolver estratégias de flexibilização, adaptação curricular e práticas alternativas.

Nesse universo conceitual, as discussões pós-LDB/96 tiveram a colaboração de diversos autores, os quais pontuaram como principais desafios para a formação de professores numa perspectiva de educação inclusiva: rever a concepção da formação de professores de Educação Especial, superando os delineamentos clínicos e reabilitadores; orientar a formação a partir de enfoques mais interativos do processo de aprendizagem para as diretrizes educacionais e curriculares do ensino regular (AINSCOW e BLANCO, 1997). Defenderam a formação para educação inclusiva na educação básica e especialização para a Educação Especial. Observaram que as pesquisas em Educação Especial são escassas na América Latina e os investimentos para a pesquisa nessa área não têm sido prioridade do poder público.

Bueno (1999) coloca quatro desafios que a educação inclusiva impõe à formação de professores: formação teórica sólida ou uma formação adequada no que se refere aos diferentes processos e procedimentos pedagógicos que envolvem tanto o “saber” como o “saber fazer” pedagógico; formação que possibilite dar conta das mais diversas diferenças, entre elas, as crianças deficientes que foram incorporadas no processo educativo regular; formação específica sobre características, necessidades e procedimentos pedagógicos para as diferentes áreas de deficiência.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) representam um certo avanço no sentido de responsabilizar a União, os Estados e Municípios quanto à formação continuada de professores regentes de classe comum, e recomendam o aprofundamento de estudos por meio de cursos de especialização. No entanto, contraditoriamente, prevê a figura do professor generalista, sem identificação clara de tipo, caracterização da formação e das competências pedagógicas que esse professor deve assumir. Esse documento já anunciava a extinção dos cursos de habilitação em Educação Especial nos cursos de Pedagogia.

A Formação de Professores na Perspectiva da Educação Inclusiva: da Epistemologia à Prática

As Diretrizes Nacionais (2001) entendem a Educação Especial como um processo educacional definido em uma proposta pedagógica, assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades da educação. Essa definição adotada pelo Ministério da Educação foi elaborada por Mazzota (1998).

Educação Especial pode ser concebida, conforme Gonzáles (2002), como uma disciplina que estuda e analisa os processos de ensino-aprendizagem, em situações de diversidade, com a finalidade de oferecer respostas educativas e projeção socioprofissional aos alunos com necessidades educacionais especiais. Assim, gera interações entre teoria e prática, a partir de três perspectivas: curricular, organizativa e profissional. O referido autor enfatiza o compromisso com a prática, o que permite concebê-la como uma ciência aplicada, como ciência de uma atividade prática humana para intervir sobre ela, e dentro do possível, melhorá-la.

A tarefa da Educação Especial deveria ser a diversidade de cada pessoa levada ao campo do ensino, o que constitui o seu objeto de estudo e preocupação. Gonzáles considera que está em construção uma nova epistemologia da diversidade para uma nova Educação Especial que tem seu ponto de referência na prática e na relação com o outro, simbolicamente mediada.

Pesquisa realizada por Bueno (2002) sobre o retrato da formação de professores para Educação Especial no Brasil revela que, das 58 universidades pesquisadas, apenas 39,7% possuem formação. Aponta o crescimento de cursos de especialização (51,7%) e do tipo de formação generalista com maior incidência de formação na área da deficiência mental. Formação na área da deficiência visual (6,3%), auditiva (15,6%) e deficiência física (3,1%). Indica ainda o oferecimento de disciplinas de Educação Especial em 52% das escolas pesquisadas, das quais 27,7% de caráter eletivo. Do universo pesquisado, 81% dos cursos não oferece disciplinas de Educação Especial nas licenciaturas. Cursos de aprofundamento de estudos com mestrado, 36,2% e doutorado com linha de pesquisa em apenas três instituições com programas de pós-graduação.
Esses dados são preocupantes, pois indicam o decréscimo da formação de educadores habilitados ou especializados para atuarem no atendimento educacional especializado e dar o necessário apoio e suporte à inclusão no sistema regular de ensino.

Estudos realizados sobre o que revelam as teses e dissertações acerca da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular e um número expressivo de investigações analisadas por Ferreira, Mendes e Nunes (2003) destacam a necessidade de rever os programas de formação inicial e continuada de profissionais e professores que trabalham com esses alunos; enfatizam a importância de incluir as necessidades educacionais especiais na formação de professores; de superar a noção de formação e atuação isoladas do professor especializado em Educação Especial. Esses estudos indicam o crescente número de pesquisas sobre o tema e a consolidação de linhas de pesquisa e projetos sobre a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais.

Nesse sentido, estudos de Ferreira e Ferreira, Góes e Laplane, Martins e Mendes (2004), Mettler (2003), Padilha (2001), Kassar, Bruno e Bueno (1999) defendem a formação inicial e continuada de professores para lidarem com a diversidade, a formação de educadores para o atendimento educacional especializado e para o apoio e suporte à inclusão. Entendem que o papel do professor especializado, além de atender às especificidades decorrentes da deficiência, deve priorizar o trabalho conjunto com a família, escola e comunidade, acompanhar e apoiar o projeto pedagógico e colaborar para a adequação da prática pedagógica no contexto escolar.

Esses autores propõem uma relação dialógica, ação reflexiva e trabalho cooperativo entre o ensino regular e o especial para que sejam identificadas as necessidades especiais dos alunos, as de ensino, e a criação de estratégias didático-metodológicas que promovam a aprendizagem e favoreçam o acesso ao conhecimento, aos instrumentos materiais e culturais produzidos pela comunidade.

O documento Educação Inclusiva – Atendimento Educacional Especializado, MEC (2005), concebe o atendimento educacional especializado, “antes denominado Educação Especial, como um complemento da educação geral”. Assim se refere:

É um direito de todos os alunos que necessitam de uma complementação e precisa ser aceito por seus pais ou responsáveis e ou pelo próprio aluno. O atendimento educacional especializado deve ser oferecido em horários distintos das aulas da escola comum, com outros objetivos, metas e procedimentos educacionais. As ações do atendimento educacional são definidas conforme o tipo da deficiência (MEC/SEESP, 2005, p. 9).

Observa-se nessa concepção um reducionismo da Educação Especial e do papel do professor especializado que deverá se ocupar das questões específicas decorrentes da deficiência, num espaço segregado, com grupos “heterogêneos” de pessoas com deficiências. Esse documento ignora o método dialógico, o trabalhar junto, o sistema de apoio e suporte ao professor do ensino regular, a participação das famílias e do professor especializado nas tomadas de decisões e construção de ambientes inclusivos.

Em direção inversa, as Diretrizes Nacionais (2001), seguindo a tendência dos movimentos internacionais de inclusão, enfatizam a modificação dos contextos sociais, consideram essencial para o processo de aprendizagem o sistema de suporte concretizado por meio de Serviço de Apoio Pedagógico Especializado. No entender do Ministério, os serviços especializados devem ser oferecidos pela escola comum para atender às necessidades especiais no espaço da sala de aula ou nas salas de recursos em todos os níveis de ensino. Recomenda ações elaboradas coletivamente por todos os agentes educacionais e contempladas no projeto pedagógico e no regimento escolar. Envolvem, portanto, questões de gestão e prática pedagógica.

Pesquisa realizada pelo MEC/SEESP, em escolas públicas, sobre Impacto da Declaração de Salamanca nos Estados Brasileiros: dez anos de aprovação, implantação e implementação revela que, apesar dos esforços relativos à implantação de um conjunto de propostas, há ainda necessidade de mudança na cultura escolar, uma vez que os Estados, quase em sua totalidade, mostram a inexistência de focalização da população com necessidade educacional especial nos projetos político-pedagógicos das escolas.

Os dados levantados nos questionários aplicados apontam que 50% dos alunos com necessidades educacionais especiais ainda são atendidos em entidades filantrópicas, “o que altera significativamente os fins/compromissos expressos para o atendimento desses alunos de maneira a descomprometer o poder público dessa responsabilidade social” (OSÓRIO; PRIETO; FREITAS, 2006, p.61).

Algumas Considerações Provisórias
As reflexões e estudos realizados indicam a necessidade de incluir na agenda dos cursos de formação de professores, e demais licenciaturas, a discussão sobre como articular os conhecimentos, os fundamentos e práticas de educação inclusiva na grade curricular e no projeto pedagógico dos cursos do ensino superior.

Esses estudos anunciam a importância da reflexão sobre a cultura escolar: os pensamentos, crenças, valores e hábitos compartilhados que influenciam a maneira como os professores, pais e gestores escolares lidam com a diversidade, com os desafios e barreiras enfrentadas no processo de aprendizagem dos alunos.

A formação de educadores para o atendimento educacional especializado e para o apoio e suporte ao professor do ensino regular não pode se distanciar do que propõem os teóricos da formação geral de professores. Enfatizam uma formação envolvendo múltiplos saberes – formação pessoal e profissional produzidos pelas ciências humanas da educação; saberes disciplinares – formação inicial e continuada nas diferentes áreas do conhecimento; saberes curriculares relacionados ao projeto de ensino – aos conteúdos, métodos, técnicas de ensino para a formação dos alunos; a proposta no âmbito da escola – os saberes da experiência, da prática cotidiana que provém da cultura (SHON e NÓVOA, 1995, FREIRE, 1998).

Esses aspectos são essenciais na formação de professores para o ensino regular e especial. Este último, além das questões apontadas, deve: aprofundar o conhecimento relativo às pessoas com deficiência, suas necessidades, a formação da identidade, o desenvolvimento da autonomia pessoal, social e intelectual; avaliar as necessidades específicas e educacionais especiais; dominar as metodologias específicas e as estratégias didático-metodológicas de acesso ao conhecimento, às artes e à cultura.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia (2006) focalizam mais a educação para a diversidade e multiculturalidade e apresentam um discurso vago e genérico sobre a formação de professores para o atendimento às necessidades educacionais especiais. Há omissão quanto às competências para o trabalho conjunto de professores do ensino regular e especial no contexto escolar, quanto às práticas de ensino cooperativo e articulação entre essas áreas do conhecimento.

Nesse sentido, Peterson (2006) opina que os programas de inclusão não podem ser bem-sucedidos em escolas públicas se ambos, professores da educação geral e da Educação Especial, não forem capacitados para implementar programas de ensino colaborativo.

Discussões e investigações realizadas com a comunidade escolar, nos cursos de especialização, extensão, no ensino da Pedagogia, em diferentes licenciaturas, permitem pontuar algumas questões e dúvidas:

– Como articular no curso de formação de professores o conhecimento sobre a diversidade, multiculturalidade, diferenças significativas e processos específicos de aprendizagem?
– Os cursos de especialização em Educação Especial possibilitam a articulação entre teoria/prática de forma consistente?
– A formação de gestores e professores para o ensino regular trata das diferenças, necessidades específicas e educacionais especiais?
– As necessidades específicas e educacionais especiais são contempladas no projeto pedagógico?
– O professor especializado e a família participam da construção coletiva do projeto pedagógico na escola?
– A formação de professores do ensino regular e da Educação Especial tratam o conhecimento sobre as necessidades básicas de aprendizagem e as educacionais especiais numa visão inter ou transdisciplinar?

Referências
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Marilda Moraes Garcia Bruno é doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília, SP e docente da Faculdade de Educação (FAED) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS.

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